6 de dez. de 2012




Elis e Tom - Águas de Março

Igreja São Francisco de Assis, Belo Horizonte, Brasil



“Não me sinto importante. A arquitetura é o meu jeito de expressar meus ideais: ser simples, criar um mundo igualitário para todos, olhar as pessoas com otimismo. Eu não quero nada além da felicidade geral.”
(Oscar Niemeyer)

Fotografia de Véva Nogueira
Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, Brasil


" O mais importante não é a arquitetura, mas a vida, 
os amigos e este mundo injusto que devemos modificar "
Oscar Niemeyer


Fotografia de Véva Nogueira

A casa do Oscar




A casa do Oscar


A casa do Oscar era o sonho da família. Havia o terreno para os lados da Iguatemi, havia o anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar. Mais tarde, num aperto, em vez de vender o museu com os cacarecos dentro, papai vendeu o terreno da Iguatemi. Desse modo a casa do Oscar, antes de existir, foi demolida. Ou ficou intacta, suspensa no ar, como a casa no beco de Manuel Bandeira.

Senti-me traído, tornei-me um rebelde, insultei meu pai, ergui o braço contra minha mãe e sai batendo a porta da nossa casa velha e normanda: só volto para casa quando for a casa do Oscar! Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguazes, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquale casarão do Oscar, achei pouco, decidi-me a ser Oscar eu mesmo. Regressei a São Paulo, estudei geometria descritiva, passei no vestibular e fui o pior aluno da classe. Mas ao professor de topografia, que me reprovou no exame oral, respondi calado: lá em casa tenho um canudo com a casa do Oscar.

Depois larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando a minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é a casa do Oscar.



11 de nov. de 2012

RECEITA PARA DIAS DE CHUVA









dia de chuva é para viajar
na neblina e no vento
para dentro para dentro

um livro fechado espera
que se abram suas portas
com as chaves do pensamento

Roseana Murray
in 'Receitas de Olhar'



7 de nov. de 2012

O testemunho


[...]

Estes poemas são a noite e o dia,
e mais todas as horas da existência
do que está deste lado, em agonia,

e do outro, esquivo aos códigos da ciência,
pois nunca se percebe onde começa
nem finda, ou se tem mesmo essa aparência

de coisa que com números se meça,
ou então, porque escapa a tal medida,
não seja nada do que o ser conheça.

Estes poemas são também a ida 
sem volta de uma viagem para dentro
de si próprio e do que há além da vida

e da morte: uma viagem alma adentro,
sem que nenhuma bússola nos diga
se está correto o rumo para o centro,

ou se de nós, conosco sempre em briga
nos desviamos em meio a uma tormenta
que o náufrago não poupa nem abriga.

[...] 

Ivan Junqueira

(O Outro Lado, Editora Record)

5 de nov. de 2012

O que faz um poema ser um poema? – Charles Bernstein

Hoje conheci o blog "le pays n'est pas la carte" de Marília Garcia. Conteúdo nota 10! Vou reproduzir aqui parte de uma de suas postagens para provocar em você o desejo de conhecer aquele espaço:



[Minha leitura se chama
O que faz um poema ser um poema?
e vou ligar o cronômetro]

 


Não é a rima das palavras no fim da linha
Não é a forma
Não é a estrutura
Não é a solidão
Não é o espaço
Não é o céu
Não é o amor
Não é a luminosidade
Não é o sentimento
Não é a metrificação
Não é a época
Não é a intencionalidade
Não é o desejo
Não é a temperatura
Não é a esperança
Não é o assunto escolhido
Não é a morte
Não é o nascimento
Não é a paisagem
Não é a relação de palavras
Não é o que há entre as palavras
Não é o cronômetro
Não é o...
É o tempo

(Charles Bernstein - Tradução: Marília Garcia)

Reencontro...

Parece que foi ontem que escrevi a última postagem, mas a data impressa me contradiz marcando a passagem do tempo. Escolhi o poeta checo Jaroslav Seifert  para marcar nosso reencontro:





FUNERAL SOB A MINHA JANELA

Queixo-me ao vento, a nossa vida não é senão um minuto,
cavalos, regressem,
se pelo menos os cavalos pudessem regressar:
regressem ao nosso tempo, uma vez mais para recomeçar!

Se pelo menos os ponteiros invertidos do relógio nos pudessem trazer
de volta os momentos que desperdiçamos, aos bocadinhos,
se pelo menos a engrenagem, operando em sentido contrário,
pudesse deslindar o nó do suicídio,
se pelo menos a lua que ainda ontem se deitou
regressasse uma vez mais ao céu de hoje,
se pelo menos conseguíssemos chorar de novo
as nossas mágoas triviais!

Queixo-me ao vento ─ ouçam o seu lamento agoniado ─
se pelo menos o vento pudesse trazer de novo,
trazer de novo a máscara da pele morta ─
a máscara que no sopro da morte
deslocou da face um último fôlego
e que o vento agora varre e desgasta ─
para que nos beijemos uma vez mais
antes que esvaneça e se despedace
no cimo das árvores, nas gotas da chuva
.


Jaroslav Seifert, in Piolho 001, trad. Sílvia C. Silva, Edições Mortas, Maio de 2010, pp. 57-58