21 de abr. de 2009

Romanceiro da Inconfidência

Museu da Inconfidência - Ouro Preto
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ROMANCE XXIV OU
DA BANDEIRA DA INCONFIDÊNCIA

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ATRAVÉS de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
- e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras:
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à espreita,
caras disformes de insônia,
vigiando as ações alheias.
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.
Palavras conjenturadas
oscilam no ar de surpresas,
como peludas aranhas
Na gosma das teias densas,
rápidas envenenadas,
engenhosas, sorrateiras.
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Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns, mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e Horácio,
e refletem, e argumentam,
falam de minas e impostos,
de lavras e de fazendas,
de ministros e rainhas
e das colônias inglesas.
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Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
há levante, com certeza.
Corre-se por essas ruas?
Corta-se alguma cabeça?
Do cimo de alguma escada,
profere-se alguma arenga?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade?
Um gênio a quebrar algemas?
.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Virgílio...”
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário, c
om dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam...”
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus — pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).
.
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
— e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras.
“Que estão fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam, pensam?
Mostram livros proibidos?
Lêem notícias nas gazetas?
Terão recebido cartas
de potências estrangeiras?”
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas!
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras!
Ó vitórias, festas, flores
das lutas da Independência!
Liberdade – essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!)
.
E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa.
Não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a sentença.
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Cecília Meireles
. OBRA POÉTICA – Volume Único, p. 451-452

3 comentários:

marcos leite disse...

bolorQuantas vezes vemos pessoas nas ruas é não ajudamos?Andamos pelas ruas vemos adolescentes vendendo seus corpos por um pouco de dinheiro, perdendo sua inocência, sua infância.
É triste ver essa realidade, essa realidade que transforma tudo, crianças nas ruas trabalhando, anjos que nem podem sonhar, pois tem medo de morrer por balas perdidas, mas que pena mesmo e que existe “anjos” que não dão valor a vida,e roubam,matam...mas existem anjos que mesmo não podendo viver de uma maneira melhor,tentam sonhar,e ter um futuro,sempre persistem em encontrar a felicidade.

As ruas dos anjos

Andando pelas ruas daquela cidade,
Eu via algo mais do que céu e prédios,
Via a fome e a miséria dos filhos de Deus,
Vir almas sedentas as dores da vida,
Dores que vão destruindo o espírito.

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http://marcosleitte.blogspot.com

nydia bonetti disse...

Leonor
Vim agradecre por estar seguindo o LONGITUDES e e gostei demais do teu espaço. Estarei por aqui, com certeza.
Beijos.
Nydia

Mara faturi disse...

Queri,

tb estou aqui para agradecer sua "persiguição", rs,rs e dizer que estou adorando tudo por aqui, bela homenagem pela data de hj e belíssima escolha pela Cecília;)
Bem-vinda,
bjos